Um Game Boy e uma treta bizarra
Um singelo relato de infância, um objeto de desejo para todo uma geração e
pronto, foi feito o caos. Na quinta-feira (19) o narrador Otávio Netto fez
esse tweet abaixo e gerou uma onda bizarra de respostas e RT de puro ódio e de
apagar realidades intermediárias no Brasil. O tweet:
A molecada de hoje não vai saber o que é isso. Todos os amigos jogando o mesmo jogo. A galera da escola em volta acompanhando as batalhas. Cabo game link (ou apenas "cabo link") pra trocar Pokémon que só tinha no Blue/Red/Yellow... tinha até mercado negro de pokedex. Que saudade! pic.twitter.com/8KGfr5vgGb
— Octavio Neto (@octaviobuzz) January 19, 2023
Foram algumas respostas que me deixaram pensando em escrever ou não, afinal, é bizarro como para a "turma do amor" a realidade de alguém que cresceu nos anos 1990 e teve sua pré-adolescência no Brasil na transição para os anos 2000 só pode ser resumida a extrema pobreza ou rico/playboy. Existem diversas camadas de condições sociais e financeiras entre esses extremos, afinal, se somente playboys poderiam ter tido um Game Boy e um Cabo Game Link naquele período, como eu vivi isso sendo o amigo mais pobre da rua?
Esse foi o ponto que me deixou na vontade de puxar esse episódio bizarro do Twitter em pleno 2023. Meus amigos e eu sempre gostamos muito de jogar. Talvez eu fosse o cara que acabava se empenhando em conhecer mais, ter revistas (como Gamers, Ação Games e afins), assistir programas de TV (finados Star Games e Mar Games por exemplo) e também, ser alguém que guardava mais as moedas e notas que ganhava dos tios para ir jogar por hora em locadoras.
Realidade vs falsa lembrança da realidade
Um ponto que me chamou a atenção foi alguma pessoa dizer que isso nunca teria sido realidade no Brasil. É generalizar demais e tudo bem, um tweet cabe meros 280 caracteres, fica difícil escrever bem a ideia (apesar de alguns conseguir dar golpes com um tweet só) e dizia que amigos com Game Boy, Pokémon ou outro jogo qualquer que fosse multiplay via Cabo Link, era uma realidade apenas das propagandas das revistas de video game.
Me pego com algumas lembranças da infância batalhando com amigos em Pokémon Red/Blue/Yellow, fazendo troca de Pokémon e, quando saíram Gold/Silver, realizar as trocas entre geração e fazer o famigerado truque do Ditto shiny para tentar o breed brilhante.
Muito me deixou pensativo esse nível surreal de raiva, afinal, vivemos no Brasil e games foi algo que, majoritariamente, tivemos por meios ala Luffy e amigos. Um Game Boy Color era caro na época sim, porém, haviam bundles com preços um pouco mais atrativos. Caros, ainda assim. Todavia, já existia mercado de usados e é aí que vem o pulo do Meowth!
Meu Game Boy guerreiro
Os guerreiros sobrevivendo ao tempo... |
Sendo um jovem que queria muito um Game Boy depois de tanto jogar os Game Boy Pocket e Color dos meus primos, um dia, a felicidade cantou para mim. Um dos colegas agregados a amigos da escola tinha um tijolão, o Game Boy Classic. Grande, utilizava quatro pilhas AA e com sua telinha preto e branco tendo um toque especial de verde.
Mal sabia eu que, em um futuro próximo, um desses seria meu finalmente. E indo no Sebo Games da cidade estava lá o meu One Piece: um Game Boy Classic em perfeito funcionamento mas com a carcaça judiada. Originalmente, custava R$ 50 reais pois o animal que era o dono anterior, tentou pintar ele de preto. Um desastre completo! E, além disso, sem a tampinha da pilha ele saiu por R$ 35 e ainda leve, por R4 15 ou R$ 20 um fita multijogos que tinha Samurai Shodown e Mortal Kombat II juntos.
Stonks!
Pouco tempo depois conseguimos na mesma loja a tampinha e de graça. Baita choro da matriarca em conseguir brinde deixando o gerente sem graça. Isso foi entre 2001 e 2002 se a memória do idoso aqui não estiver falhando, lembro que foi antes da Copa do Mundo no Japão e Koreia. Pouco tempo depois ganhei um Pokémon Blue alternativo, depois, comprei o Cabo Link e foi em torno de R$ 20 nos famosos camelódromos da primeira cidade do Brasil (vai buscar conhecimento no Google agora).
Tempo passa mais um pouco, ganho um Pokémon Gold, outro jogos baratinhos e bons. Mas o meu grande desejo era um Game Boy Color transparente (o roxinho). Só vim a ter quando adulto, porém, como presente de 15 anos veio um singelo sacrifício da minha vó: ganhei um GBC Amarelo. Era uns R$ 150 na loja mais careira (mas era a mais confiável) e saiu por R$135.
Desde que ela me deu o presente ela viu que não errou. Esse Game Boy está comigo até hoje e funcionando :') Pobre também conseguia ser feliz, agora, pessoas que viviam em uma condição extrema de pobreza devia ser uma situação muito ruim de viver para essas pequenas alegrias eletrônicas da infância. Eu era da parte fudida de dinheiro na família mas tive a sorte de ter boas tias e amigos. Alguns amigos também tiveram um pouco dessa sorte e tinham condição pior que a minha. Feliz por eles.
Ódio gratuito no Twitter
Após expor um pouco esse lado da minha infância para ser cancelado (apesar que eu não sou verificado, tá safe) vamos ao outro ponto da reflexão: por quê tanto ódio gratuito no Twitter?
Existem diversas situações para perdermos a linha e sermos mais enérgicos, ainda mais com problemas que nunca chegam a uma solução no país e cagadas que governos vão deixando nas nossas costas e contas.
Eu vejo um problema no tweet e não é o fato da possível escola particular permitir os alunos jogar Game Boy no intervalo, na estadual confiscavam nossas cartas e tazos, F. Mas outro detalhe como a coisa do "nunca mais..." e pequenas coisas que vão além de uma boa lembrança e flertam com a doença moderna chamada nostalgia.
Hoje em dia a molecada sabe o que é jogar junto, assistir os outros jogando, contudo, é de outra maneira: online! Afinal, os jovens ainda jogam, continuam jogando juntos e formando duplas, trio, squad, servidores, zaz, e estão naquela famigerada coisa chamada Discord. E olha só, eles podem transmitir a tela por lá e, assim, quem está de fora sem jogar, consegue ver o que estão fazendo.
E isso, sem mencionar os que abrem uma live só para a turma que ficou de fora, se sentir com eles. A única coisa que dificilmente muitos conseguem ou conseguirão reviver é a rua. Interação desse tipo faria bem, mas, os níveis de violência e, cada vez mais crianças em condomínios, vão minando essas possibilidades e tornando mais forte a escola e as festinhas.
Dito isso e fechando
Voltando ao ponto do ódio gratuito e como parece ser proibido ser feliz no Twitter, muitas respostas parecem ser uma frustração por não ter vivido aquilo, outras, parecem até revelar a necessidade de alguns cuidarem mais da saúde mental. Não faz sentindo eu te xingar ou tentar te humilhar por ter compartilhado uma lembrança que te faz feliz.
Mas aí eu lembro que xingaram uma moça pelo combo que ela fez outro dia: dizer que tinha pai; que o pai comprou sorvete (caro) para ela e que com isso, ela não tinha a personalidade Wandinha, digo, o famigerado daddy issue (problema de relacionamento com o pai para pessoas cringe entenderem).
Então pessoas, é uma boa rever um pouco algumas ideias e conceitos. Elas podem estar ocultando alguns problemas que você tem consigo mesmo. Simplesmente atacar pessoas porque elas tiveram uma coisa cara na vida pois tinha condição, não vai te fazer subir de nível como guerreiro da classe, só revelar problemas.
Não sou advogado de ninguém e nem quis ser, a única coisa aqui é: sejam feliz, transem mais.
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